Para aqueles momentos em que temos dúvidas sobre que caminho seguir, compartilho um trecho (adaptado) do livro Cartas a um Jovem Poeta, do alemão Rainer M. Rilke. O contexto é o seguinte: Paris, fevereiro de 1903, Rainer M. Rilke recebe uma carta de um jovem chamado Franz Kappus, que aspira tornar-se poeta e que pede conselhos ao já famoso escritor. Começa então uma troca de uma série de correspondências entre eles nas quais Rilke expõe suas opiniões sobre o que considerava os aspectos verdadeiros da vida, a criação artística, a necessidade de escrever, Deus etc. Segue o trecho de uma dessas cartas:
Prezado,
Quero lhe agradecer por sua grande e amável confiança. (...) Você me pergunta se os seus versos são bons. Pergunta isso a mim e já perguntou a mesma coisa a outras pessoas antes. Faz comparações entre os seus versos e outros poemas. Agora (como me deu licença de aconselhá-lo) lhe peço para desistir de tudo isso. Você está olhando para fora, e isso é sobretudo o que não deve fazer agora. Ninguém pode aconselhá-lo e ajudá-lo, ninguém. Há apenas um meio. Volte-se para si mesmo. Investigue o motivo que o impele a escrever, comprove se ele estende as raízes até o ponto mais profundo do seu coração, confesse a si mesmo se você morreria caso fosse proibido de escrever. Sobretudo isto: Pergunte a si mesmo na hora mais silenciosa da sua madrugada: Preciso escrever? Desenterre de si mesmo uma resposta profunda. E, se ela for afirmativa, se você for capaz de enfrentar essa pergunta grave com um forte e simples “Preciso”, então construa sua vida de acordo com tal necessidade; sua vida tem de se tornar, até na hora mais indiferente e irrelevante, um sinal e um testemunho desse impulso. (...)
E se, desse ato de se voltar para dentro de si, desse aprofundamento em seu próprio mundo, resultarem versos, você não pensará em perguntar a alguém se são bons versos, pois verá neles seu querido patrimônio natural, um pedaço e uma voz de sua vida. (...)
Por isso, eu não saberia dar nenhum conselho senão este: voltar-se para si mesmo e sondar as profundezas de onde vem a sua vida; nessa fonte você encontrará a resposta para a questão de saber se precisa criar. Aceite-a como ela for, sem interpretá-la. Talvez ela revele que você é chamado a ser um artista. Nesse caso, aceite sua sorte e a suporte, com seu peso e sua grandeza, sem perguntar nunca pela recompensa que poderá vir de fora. (...) Mas talvez, depois deste mergulho em si mesmo e em sua solidão, você tenha de renunciar a ser um poeta (basta, como foi dito, sentir que seria possível viver sem escrever). Mesmo assim não terá sido em vão o exame de consciência que lhe peço. Seja como for, sua vida encontrará a partir desse exame caminhos próprios, e que eles sejam bons, ricos e vastos, é o que lhe desejo mais do que posso manifestar.(...)
Por fim, gostaria apenas de aconselhá-lo a passar com serenidade e seriedade pelo período de seu desenvolvimento. Não há meio pior de atrapalhar esse desenvolvimento do que olhar para fora e esperar que venha de fora uma resposta para questões que apenas seu sentimento íntimo talvez possa responder, na hora mais tranqüila. (...)
E lhe agradeço mais uma vez pela cordialidade de sua confiança, de que procurei me tornar um pouco mais digno do que realmente sou, por meio desta resposta sincera, feita da melhor maneira que pude.
Com toda devoção e toda simpatia,
Rainer M. Rilke